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terça-feira, 10 de junho de 2014

SESC - Crato, Cordel na Feira com Dalinha Catunda





SERTÃO MARCADO NO PEITO

*

Este canto nordestino

Que sai chorado do peito

É lamento não tem jeito

Presente no meu destino

É um canto peregrino

De quem deixou o seu chão

Mas guarda no coração

A saudade acumulada

Daquela vida levada

Nas quebradas do sertão.

2

O cheirinho de alfazema

A cada irmão que nascia

O capão que se comia

Pois era este o sistema

Só de falar nesse tema

Sinto a saudade arrochar

Com saudade do meu lar

Da minha mãe parideira,

Do entre e sai da parteira,

Que vinha para ajudar.

3

Nos bons tempos de criança

A casa era sempre cheia

Bola de gude e de meia

Faziam nossa festança

Era ciranda, era dança

E corda nas brincadeiras

Na roda mãos nas cadeiras

Na hora do requebrado

O mundo era encantado

Naquela minha Ipueiras.

4

Meninos tinham pião

Meninas tinham peteca

De pano era a boneca

Naqueles tempos de então

No reino da exultação

Do chicotinho queimado

E do anel que era passado

Do trisca e da cabra cega

O que foi bom ninguém nega

Fica no peito marcado.

5

Recordo o grupo escolar

O velho Padre Angelim

E a saudade bate em mim

Como a sineta a tocar

Aprendi ler e contar

Fiz muita caligrafia

Ir à aula todo dia

Nunca foi obrigação

Era sim satisfação

Era isso que eu sentia.

6

E nos tempos da invernada

Danações e brincadeiras

Banhos em bica e biqueiras,

Nos quintais ou na calçada

Folias da meninada

A algazarra em tropel

O barquinho de papel

Que levava a correnteza

A vida era uma beleza,

E na lembrança um painel.

7

Banho de rio e açude

Curti muito em meu torrão

Brilhava a satisfação

No olhar da juventude

Na enxurrada de atitude

Na explosão de alegria

No queimar da energia

Bem própria da mocidade

Que acolhe felicidade

Sem pensar em letargia.

8

Com cabelos na cintura

Bem faceira e enxerida

De colegial vestida

Tinha até ar de candura

Mas fui o cão em figura

Fazendo o ginasial,

No Colégio Estadual

Chamado Otacílio Mota.

Aprontei muita marmota

Fiz meu próprio manual.

9

Na festa da Conceição

Padroeira do lugar

Bandinha para animar

Quermesses e procissão.

Lembro as prendas do leilão

E a tabua de pirulito

Como eu achava bonito

Ouvir aquele clamor

Do menino vendedor

Que caprichava no grito.

10

Os passeios na pracinha,

Rádio Vale Jatobá,

Mensagens vinham de lá,

Todo dia de noitinha.

Rádio que Dedé mantinha!

E dela todo galante

Ali do alto- falante

Oferecia cantiga,

Bolero, música antiga,

Aos pares, a cada amante.

11

Nosso antigo Carnaval

 Tinha a sua tradição

Nosso maior folião

Foi mesmo seu Camaral

Um brincante sem igual

E repleto de energia

Adorava uma folia,

Isso guardei na memória

Hoje registro na história,

Desta minha cantoria.

12

Um clube com tradição

Hoje é somente lembrança

E na saudade a cobrança

Solicita explicação:

Cadê o velho chitão?

E as festas tradicionais?

Que hoje não vejo mais

Se foram com as orquestras...

Relembradas em palestras,

Ou conversas triviais.

13

A tertúlia era presente

De vitrola ou radiola

Rapaz direito não cola

Não cola moça decente,

Isso com o fogo ausente!

Pois em outra conjuntura,

No momento da quentura

Com duplo consentimento

Apenas o pensamento

Já fazia a ligadura.

14

Lá no meu interior

Gritei palhaço na rua

Ele falava da lua

Eu dava o maior valor

O palhaço é pregador

Que difunde alacridade

Sai animando a cidade

Com seu nariz encarnado

Com seu texto decorado

Propagando novidade.

15

Do meu amado rincão

Ainda lembro-me bem

De quando passava o trem

Agitando a estação

A saudade e a emoção

Ida e volta dos amores

Beijos, abraços, rubores,

E o som cortante do apito

O peito abafando o grito

Em resquícios de pudores.

16

Nas asas do pensamento

Revi o meu universo

E tudo cantei em verso

Não me faltou argumento

Do passado me alimento.

Dele faço o meu presente

Pra falar da minha gente

De raiz e de costume

Agradeço a musa o lume

Que iluminou minha mente.

*

Fim

Versos de Dalinha Catunda

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